Violência contra LGBTQIA+ cresce no Brasil

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Guilherme

Foram 5,7 mil casos denunciados no Disque 100 até setembro do ano passado

Nos últimos anos, houve um aumento significativo nas denúncias de casos de LGBTQIA+fobia no país. De acordo com informações do Disque 100, um serviço do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), cerca de 5.741 ocorrências foram registradas até setembro de 2024. No ano anterior, foram 6.070 registros, contra 3.948 em 2022. Boa parte das notificações de violência foi feita por homens gays, embora pessoas transexuais e travestis tenham sido as principais vítimas de agressão. 

O dado não é novo, segundo Ricardo de Mattos Russo, professor do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “Quando olhamos, por exemplo, a Pesquisa Nacional de Saúde [PNS] de 2019, já tínhamos uma prevalência de violência contra a população LGBTQIA+, sobretudo contra as mulheres”, disse, em entrevista à Agência Brasil.

Para o acadêmico, o aumento do número de denúncias pode ser explicado pela postura mais afirmativa das pessoas LGBTQIA+ e pelo reconhecimento das violações de direitos. “Estamos vivendo um momento político em que existe o confronto entre a prática de resistência de alguns grupos, com suas identidades, contra aquilo que chamamos de sociedade tradicional. Este é um ponto crucial, inclusive que estimula a política de ódio no Brasil.”

Quanto ao perfil dos denunciantes, homens gays e brancos entre 20 e 40 anos são responsáveis pela maioria dos registros de LGBTQIA+fobia. Carla Appollinário de Castro, professora do Departamento de Direito Privado da Universidade Federal Fluminense, destaca, no entanto, que “a maioria das vítimas de violência no Brasil, de acordo com outros relatórios, são mulheres trans e travestis, mas essas pessoas não se veem no lugar de cidadãs que podem reivindicar direitos, porque já estão habituadas a uma vida de exclusão e opressão”. 

Segundo o Observatório Nacional dos Direitos Humanos (ObservaDH), também do MDHC, 11.120 pessoas LGBTQIA+ foram vítimas de algum tipo de agressão em função da orientação sexual ou da identidade de gênero em 2022. Pessoas transexuais e travestis correspondem à maioria dos casos (38,5%). As estatísticas são lideradas por casos de violências física (7.792), psicológica (3.402) e sexual (3.669). 

Agressões como essas são motivadas, principalmente, por situações de intolerância, discriminação e ignorância, sendo os homens os principais agressores apontados pelos processos judiciais em casos de LGBTQIA+fobia. “O que diz respeito à vida íntima das pessoas não deveria nos incomodar, mas muitos tomam isso como referência constitutiva da pessoa; daí vem a discriminação. Às vezes, identificamos também aspectos religiosos incidindo sobre a vivência e a convivência das pessoas LGBTQIA+, o que acaba agravando o quadro de exclusão social”, disse a pesquisadora Carla Appollinário de Castro à Agência Brasil.

Para a professora, outra informação relevante é que, em muitos casos, as agressões partem de membros da família ou de pessoas próximas, como ex-companheiros ou namorados (30% dos casos) e amigos/conhecidos (17,7% das ocorrências).

O Dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras, elaborado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), revelou que 145 pessoas morreram vítimas de transfobia no Brasil em 2023. O perfil da vítima é de mulher trans (93,7% dos casos), negra (78,7%), com até 35 anos (79%) e profissional do sexo (57%). O uso de armas de fogo foi identificado em 46% dos registros, mas também é comum que as mortes sejam resultado de espancamento, apedrejamento, estrangulamento, pauladas, degola ou ateamento de fogo (30%).

Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou a LGBTQIA+fobia ao racismo, tornando crime a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero e classificando como hediondos os crimes motivados por homofobia ou transfobia. Mas só a lei não tem sido o suficiente para frear a barbárie.

Beto de Jesus, diretor da AHF Brasil, lembra que combater a LGBTQIA+fobia é um caso não apenas de polícia e de justiça, mas de ausência de políticas públicas que promovam a inclusão, o combate ao estigma e a redução das desigualdades e da vulnerabilidade dessas populações ao HIV/aids.

“Uma sociedade que mata pessoas por conta de sua identidade de gênero ou de sua orientação sexual é uma sociedade doente. Os agressores e assassinos precisam de punição exemplar, mas isso não basta. O poder público e a sociedade civil têm o dever de proteger os direitos dessas pessoas, dar a elas oportunidades de trabalho e promover um ambiente de tolerância e respeito”.

As clínicas da AHF Brasil estão disponíveis para aconselhamento sobre vida sexual, testagem e tratamento de HIV/aids e outras infecções sexualmente transmissíveis, como a sífilis e a gonorreia. Em São Paulo, a Clínica Comunitária de Saúde Sexual, localizada na Rua Pedro Américo, 52 – Praça da República, está aberta de segunda a sexta (exceto feriados), das 11h30 às 18h30. Em Recife, a Clínica do Homem, situada no bairro da Soledade, na Rua Osvaldo Cruz, 342, atende de segunda a sexta (exceto feriados), das 13h30 às 19h30 ou através das nossas redes sociais.